O Grenal é uma e várias catarses. É o vermelho magma e o azul mar, mas maiores e mais impactantes que vulcões e oceanos. O Grenal é um sentimento que impele rubros e tricolores a esmagarem mentalmente os adversários, ainda que a única forma física de ele ser plenamente satisfeito é impor ao rival uma derrota, seja a diferença de gols mínima, mas ainda uma derrota. Pobre dos milhões que não vivem e, portanto, são incapazes de entender essa relação.
Pois o clássico que comemorou um centenário de petelecos mútuos nas orelhas rivais e alheias, honrou seus antecessores. Houve empenho irrestrito, futebol de passes rápidos e marcações compenetradas nos dois lados do campo. O primeiro tempo, por exemplo, não permitiria outro placar que não o empate. As duas equipes ameaçavam-se com a qualidade dos passes de seus meias: D’Ale e Andrezinho; Tcheco e Souza. Mas a cautela, filha bastarda do medo de perder o jogo, mantinha o cabresto puxado, e continha o ímpeto dos jogadores.
O primeiro gol anunciava um Grenal como os outros três deste ano: Grêmio especulando num escanteio, zaga do Inter segura, contra-ataque veloz, gol de Nilmar. Souza ainda elevou o grau de irritação dos torcedores azuis ao tentar cavar falta no limiar de nossa grande área. A tarde era um desastre.
Ocorre que algumas diferenças entre o time de ontem e aquele treinado pelo homem do bigode invisível, Celso Roth, foram determinantes para a virada. Ruy sumiu do Olímpico, e Mario Andarilho Fernandes candidatou-se a seguir como titular depois de boa atuação – há que se ter paciência com as eventuais e naturais oscilações de um rapazote de 18 anos; a meia cancha bem povoada, sobretudo na contenção, com a juventude talentosa mas imatura de Adílson, compensada com a experiência vagarosa de Túlio.
Tudo isso permitiu à equipe reestruturar-se nos minutos após sair perdendo, e voltar ao campo do Inter com a mesma força e empenho. Numa tentativa, Souza foi obstruído ilegalmente por Guiñazu. Pedro Ernesto de Nardim, num rompante oportunista e profético, avisou, assim que o meia deitou a bola no gramado e mirou a goleira de Lauro com a concentração que os retirantes nordestinos destinavam aos oásis abstratos nas obras de Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto, que os gremistas deviam acreditar e que os colorados, por outro lado, temer a cobrança – e ambos o faziam, mesmo que dissimulassem o otimismo e o medo por qualquer superstição particular. Souza confirmou o narrador da Gaúcha e justificou a venda de dois juniores para adquiri-lo, além de recolocar o Grêmio no jogo: 1 a 1.
O segundo tempo não permaneceu equilibrado. Ora, honrado leitor, o Grêmio perdera os três Grenais anteriores no ano, observara, mesmo que distante, o momento vacilante (Abraço, Leandro Guerreiro!) do adversário, jogava em casa e não vencia há dois anos. Tudo levou Autuori a adiantar o time, pressionar os colorados em seu campo e forjar, como de costume, muito mais na força e na atitude do que no futebol, a vitória gremista.
Assim o Grêmio criou mais, correu mais, lutou mais e, ainda que tenha desperdiçado oportunidades mais claras, marcou num lance fortuito, um respingo de um escanteio, e a confirmação estrelada de Maxi López. Afinal, centroavante, nas plagas de Bento Gonçalves, precisa fazer gol em Grenal para merecer a camisa 9 – ou 16.
O Grêmio retira aquela bigorna de tonelada e meia das costas e pode ascender na tabela do Brasileiro sem o estigma de não vencer clássicos. Já o Inter, segue tartamudeando num labirinto sem luz, à espera de uma reação que não acontece desde a primeira derrota para o Corinthians.
Guilherme