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Archive for novembro \25\-03:00 2008

Conto livremente inspirado em Mulheres de Atenas – canção do Chico Buarque – publicado na Mojo Books. É só clicar aqui para ler.

 

Guilherme

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Não gosto de publicar textos que não são meus aqui, mas, para o “texto do Ladrão” abri uma exceção – quase que um direito de resposta.


(texto lido por Fetter no Programa Pretinho Básico)

Caro amigo,

eu também me revoltaria se algum desgraçado como eu, furtasse algum objeto meu. Eu já trabalhei na vida, tive alguns empregos, mas sempre ganhei muito pouco, nunca o suficiente para comprar, por exemplo, um notebook.

É triste, amigo do apartamento, você passar em frente a vitrine e out-doors, olhar a televisão e ver bens de consumo exibidos como carne em uma açougue fazendo salivar o seu consumismo. O desejo de consumir existe tanto em um pobre como eu, como em um milionário, mas, por causa do lugar e da família que você nasceu, você é privado de consumir aquilo que as propagandas lhe exibem a exaustão, parece até provocação. Reconheço que isso não exime minha parcela de vagabundagem e “semvergonhisse”. Sou sim, um bandido, tenho sim uma imensa parcela de culpa. È como já dizia Lacan, e perceba amigo, só não roubei seus livros porque tenho muitos. Somos aquilo que fizemos com o que fazem de nós.

Se me fizerem pobre de dinheiro, com meu esforço honesto, eu poderia me tornar rico. Mas se mesmo assim, eu escolhi ser ladrão é justo sim, que eu seja penalizado por essa má escolha. Portanto, amigos, não dou razão a sociólogos e a outros estudiosos que defendem um humanismo extremo. Sou responsável pelos meus atos e escolhas que faço. Tenho sim uma parcela de vítima, pois tendo nascido na pobreza, fui privado de dinheiro, de boas oportunidades; só não fui privado do bombardeio da mídia, que só tem valor quem pode consumir. Metade de mim, é um bandido escroto e mau caráter, a outra metade, é um ser humano com suas fraquezas e razões.

Estou sim envergonhado e com a consciência pesada, mas por outro lado, devo confessar, numa pontinha de orgulho e satisfação, pois ao escrever esse e-mail no notebook roubado, sinto a rara sensação de pertencimento a uma sociedade que nunca me deixou a ela pertencer.

Meu nome não será revelado por razões óbvios.. manda um fiá-da-pú pra galera do presídio, pois logo logo, posso estar lá com eles.

Ladrão

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A Razão

Primeira parte do conto ‘(Ir)racional’.

As noites por aqui são conservadoras. Nunca há mudanças significativas. Minha rua é silenciosa, parece aquietar-se em respeito ao sono dos moradores. Afora televisores que cochicham pelos apartamentos, o silêncio é quebrado por um ruído quase imperceptível. Distante, porém sistemático. A duas quadras de minha rua pupulam os barzinhos de corpos que perseguem algo. Não sabem exatamente o quê. Trabalham, estudam, chegam em casa e livram-se dos aparatos que denunciam essas duas atividades. E encaminham-se para cá. As mesas lotadas de garrafas, latinhas e cinzeiros. O que move todos eles é algo que ainda não consegui decifrar.

(ainda que esteja diante de meus olhos e logo saltará à vista)

Divido a mesa com alguns conhecidos. Eu, Carla; Paulo, Melissa. Dois casais. Caso pertencessemos à outra espécie, não estaríamos reunidos e compartilhando rotinas, embriagados. Talvez alguma situação de perigo nos obrigasse a uma aproximação, puro instinto de sobrevivência. Nada além disso. Eu estaria comendo a Carla no apê (toca, habitat, sei lá) dela. O Paulo, a mesma coisa com a Mel em algum outro lugar. A função que perpetua as espécies. Mas não é assim que funciona. E isso sempre torna as coisas mais difíceis.

Entre intervalos regulares, um de nós fala alguma merda. Tudo enrolação, encheção de linguiça, saliva gasta sem sentido. Olho ao redor, as pessoas conversam. Jorge Ben segue descrevendo a menina mulher da pele preta com a voz de adolescente que devia usar aparelho mas optou por uma chapa chiada. E nessa atmosfera, quando a maioria já começa a deixar o bar, depois de cogitar todos as possibilidades menos óbvias, sentencio: é, todos estão aqui na esperança de trepar mesmo. Exceto pelo cigarro, a bebida e as roupas, não estamos muito longe das outras espécies, soluciono a questão satisfeito, porque bêbado; e o riso auto-suficiente que ensaio no canto da boca irrita Carla.

Depois de empreendermos todos os subterfúgios possíveis para velar nosso objetivo, marchamos eu e Carla, Paulo e Mel, em direções opostas, ainda que movidos por razões semelhantes: ensaiar a perpetuação da espécie; trocar sensações prazerosas na horizontal; fazer amor; tá bom, chega de eufemismos: pra trepar mesmo.

Guilherme

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Prezados Leitores,

Com a veiculação da Carta ao Ladrão (post anterior) no Programa Pretinho Básico, da Rádio Atlântida, o número de acessos aqui no Tisserand cresceu consideravelmente. Inclusive, descobri que o texto está linkado em uma das comunidades do Grêmio no Orkut – apesar de ser colorado – é motivo de grande orgulho.

Deixo o espaço aberto para críticas, e também ao ladrão, que já respondeu pelo PB, se quiser se comunicar por aqui: a casa é para todos.

 

Fabio

 

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Caro amigo ladrão.

Perdoe-me por usar deste recurso, mas como nem imagino seu nome, tampouco seu endereço ou telefone, quero te falar algumas coisas por aqui.

Na sexta-feira à noite, quando encontrei meu apartamento completamente revirado, juro que tive vontade de te perseguir até a China e te-cagar-a-pau – apesar de não conseguir matar uma mosca. Com o tempo, percebi o quanto eu e minha esposa fomos privilegiados por não estarmos em casa no momento da tua investida. Talvez tu soubesse que não estávamos, então, fico agradecido.

Ao registrar ocorrência policial, me senti adentrando no mundo da estatística, sendo mais um lesado do rotineiro “furto em residência”, que cansei de noticiar nos últimos anos, aqui na imprensa local. Ao ler o “Boletim”, antes de meu nome, vinha a palavra “Vítima”, eis o motivo de estar escrevendo esta carta: a vítima não sou eu, e, sim, você.

Calma, te explico.

É provável e plenamente aceitável que não esteja entendendo o que falo, pois todos os livros que tinha em meu apartamento continuaram no mesmo lugar. E eles estavam ali, prontinhos para serem furtados. Essa é a nossa diferença, amigo – se é que posso te chamar assim. O sol nasce pra todos. Sempre. O que nos diferencia não é nossa cor ou classe social. O que te torna vítima são tuas escolhas.

E não me venha com discursos que és um excluído, que não tem outra saída a não ser viver às margens de uma sociedade hipócrita e bla-bla-blá. Sempre há saída, basta querer.

Entendo que deve ser chato olhar para o teu vizinho que consegue adquirir diversos bens através do roubo e do tráfico. É mais cansativo ter que batalhar num trabalho correto. Mas acredite, muitos optam por esse caminho. E pena, você não escolheu.

Hoje os teus dias estão contados.

E não é uma ameça, longe disso. Mas se tu gostasse um pouco de leitura – o mínimo que fosse -, perceberia o que acontece com os que optam pelo mundo da criminalidade. Sempre estoura no mais fraco.

Para mim não será fácil, pode ter certeza. Ainda tenho 14 prestações do notebook que tu já deves ter trocado por umas pedras por aí. Deve ter ganhado uns trocados, tudo bem, mas há de convir comigo, se arriscando ao extremo. Já eu, vou continuar com minha vida, procurando mais oportunidades que não se cansam de aparecer. E acredite: elas aparecem pra ti também e deixas passar.

Em breve, vou recuperar tudo o que me levaste e, ainda por cima, irei adquirir experiência com isso. Depois do susto, percebi o quanto amo minha esposa e nos tornamos um casal mais forte. Apesar de não ter dinheiro para pagar minha mensalidade – e não poder assistir Inter e Chivas, no Beira-Rio -, o que me deixou profundamente revoltado, considero que esse episódio foi importante para meu amadurecimento.

Te desejo sorte nessa caminhada ao buraco sem fundo. Apesar de ser o lesado do momento, a verdadeira vítima dessa história tu deves saber bem quem é.

Um abraço

Fabio
 

 

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