Nem parecia Vasco e Coritiba. Parecia mais uma final encardida de Libertadores, parecia um daqueles confrontos de abalos sísmicos em decisões de Supercopa dos Campeões da América. E eu logo imaginava o River de Franccescoli, o São Paulo de Zetti(!), ainda que a todo momento Luis Roberto me lembrasse tratar-se do Coritiba de Edson Bastos, do Vasco de Alecsandro. E justamente esses dois, um adotado como novo filho pela Redenção, outro confirmado como Eterno vilão do próprio gol, resolveram a contenda com seus peculiares e atrapalhados defeitos e qualidades.
Alecsandro é um carente. Tudo o que ele queria era ser amado pela torcida colorada. Por isso empilhava gols com uma média respeitável no Beira Rio. Nem por isso era mais respeitado do que Valter, jogador cuja média de cachorros quentes do Rosário ingeridos por semana era sempre superior a todos os gols feitos na passagem pelo Inter. O futebol é assim, há algo além da efetividade que funciona como critério para o torcedor avaliar um ídolo. Alecsandro nunca soube o que era esse algo por aqui. Mas achou-o no Vasco, na carente torcida cruzmaltina, nas feridas ainda não cicatrizadas de anos anteriores, na ausência de ídolos.
E foi todo esse carinho, foi toda essa segurança que ajudaram as pernas embaralhadas do Castor a acertarem o chute que errariam caso atuassem pelo Inter. Éder Luis ingressou na área paranaense logo aos 11 minutos e deixou-o com o gol desnudado à frente. As pernas trançaram-se qual carretilha como faziam nos tempos de Colorado, mas a ventura havia mudado de lado, o Vasco abria o placar. Alecsandro redimia-se.
Então Marcelo Oliveira, esse treinador maroto que logo logo estará no comando de um gigante do futebol brasileiro, sacou o longilíneo mas inócuo volante Marcos Paulo e lançou a campo Leonardo, que não é o Fenômeno, mas usa a camisa 18, o que confere sempre a digna condição de substituto imediato do centroavante. Como era esperado, o Albi-Coxa despertou para a final. E a mesma correria desabalada engendrada em herméticos movimentos por todos aqueles jogadores medianos que se viu nas atuações contra Palmeiras, contra os próprios cariocas desfigurados no último domingo, toda aquela pressão insana passou a açoitar a área vascaína. Tanto que, num lançamento incauto da intermediária, Jonas escorou para a trave oposta e Bill, não o Búfalo, empatou a partida de cabeça.
O Vasco parecia trôpego, como inebriado por algum odor nauseabundo, e de fato ainda cambaleava em campo quando Rafinha marchou intrépido pela área adversária e obrigou Fernando Pras a espalmar para o meio da área, em direção a marca do pênalti. Todos sabemos que uma espalmada para o meio da área cobra caro sua existência. E David, a cabeça mais lúcida do meio campo coritibano, imendou de esquerda para virar o jogo.
O segundo tempo traria consigo emoções ainda mais fortes, tanto que Luis Roberto – talvez por falta de vocabulário ou por nervosismo mesmo ou ainda numa tentativa de firmar um bordão clássico na mente de quem o assistia tal qual Galvão Bueno e seu “Brasil e Argentina é Brasil e Argentina, amigo!” – não parava de dialogar com o telespectador com um enfadonho Que jogo é esse, povo brasileiro?! E o Vasco marcou logo aos 12 minutos com Éder Luis em noite de Garrincha e Edson Bastos em noite de Eduardo Heuser, e Luis Roberto: Povo brasileiro, que jogo é esse?! E o Coritiba retomou novamente a vantagem aos 20 com Willian em chute de Dinho, e Luis Roberto: Jogo brasileiro, que povo é esse?! E então a partida virou um duelo de Winning Eleven com pré-adolescentes nos controles em esquemas suicidas de contra-ataques inacreditáveis, e Luis Roberto: Jogo, que povo é esse, brasileiro!? E restaram balões equivocados para a área do Vasco, afastados todos com certeza inequívoca para longe dela, restaram múltiplas chegadas vascaínas à área do Coxa, todos armados por Éder Luis, todos desperdiçados por Alecsandro, e Luis Roberto: Jogo, povo, que brasileiro é esse!?
E Alecsandro errou tudo mais o que fez até o fim do jogo. E Edson Bastos não cometeu mais erros. E ainda assim os erros de Alecsandro não puniram o Vasco. E ainda assim os acertos de Edson não redimiram o Coritiba. E estava acabado o Jogo, estava reconciliado um Povo, estavam aliviados todos os Brasileiros que se livravam, enfim, do Luis Roberto.
O outro Roberto, o Dinamite, conquista o primeiro título de expressão desde que assumiu a presidência, o que devolve alguma dignidade à sua gestão em tempos de suspeitas e investigações sobre ela. Rodrigo Caetano comprova o erro e a incapacidade do Grêmio em manter talentos criados em casa por algum tempo no Olímpico. Não é só com jogadores que não sabemos negociar. Mas Alecsandro, é sobretudo ele, o maior vencedor. Tornou-se, enfim, um ídolo. O que nunca conseguiria por aqui.
Legendas: Chico Buarque e Vinicius de Moraes
Guilherme Lessa Bica